
FACE A FACE
CARLA ZACCAGNINI
Conteúdos da dimensão do amor, que pontuam os limites do compreensível e do dizível, tendem a colocar em xeque a validez de qualquer representação artística. Penso, de novo, em Fernando Pessoa e no poema em que se farta dos símbolos e quer a felicidade concreta da costureira que vê parada na esquina, esperando a volta improvável do namorado que a abandonou. Não há símbolos que se possam comparar à alegria que só ela sentiria se, cansada da espera e da surpresa, o visse voltar. Entretanto, algo dessa alegria, que talvez nunca se cumpra, se adivinha ou se constrói no poema de Pessoa.
Quando Nicolela entrega aos visitantes sua lista de perguntas e os convida a respondê-las diante de uma câmera, em uma sala reservada, mas ainda dentro do espaço expositivo, não pede pouco. E são muitos os momentos de suspensão e silêncio que costuram as respostas. O vídeo mostra justamente essas imagens. Um atrás do outro, os rostos dos entrevistados se sucedem pensativos, sem palavras, em instantes de dúvida e titubeio dilatados e somados na edição. A imagem mostra o que não se ouve, o que não se diz.
O som – que ora sai de uma caixa, ora de outra – sobrepõe as respostas. Tudo o que se tenta para definir o amor, se sim se não, se liberta ou aprisiona, se um ama, se outro já não ama mais. O curioso é como as respostas ecoam, se repetem e repercutem; ver a soma das particularidades conformando o universal. Ou talvez seja que o que se aprende como valor universal que molda nossas opiniões e atitudes, até nos campos mais particulares.
Continuo imaginando: e se Fernando Pessoa entregasse o poema à costureira para que ela, se quisesse, o mandasse ao namorado? E se o deixasse voar da janela para que ela pudesse também encontrá-lo e se reconhecer, surpresa? Seria alegria também, ver a sua vida assim, desde fora, importante para um desconhecido como o ciclo do dia e da noite? Seria?