DOLL
JULIANA MONACHESI
“Como poderia o corpo proteger-se das grandes feridas para acolher as feridas mais sutis?” Quem fala nessa passagem é o filósofo brasileiro Peter Pál Pelbart, ecoando Nietzsche e Deleuze, ao tatear do corpo que não aguenta mais ser coagido e adestrado pelas forças civilizatórias e pelas tecnologias disciplinares. O corpo, para ser vivo, precisa se deixar afetar pelo contato com o mundo.
No filme de Kika Nicolela e Suzy Okamoto, um corpo desafia sua exterioridade; peregrina pelo caminho da impotência à força vital. Em dez minutos. O corpo está envolto em tecido vermelho e ao mesmo tempo recortado do restante do mundo por este vestido. O restante do mundo sendo uma construção de barro, um vale, um riacho, entre outros elementos com os quais ele vai se amalgamando.
A taipa da Capela do Morumbi se transforma em corpo, pulsa no contato com o tatear cego da mulher de vermelho. Este mesmo tatear se repete em outro cenário, entre o medo e o fascínio pela potência vital de um cavalo. Quando este se afasta, em um plano aberto que se remete a um sonho de Kurosawa e ao vagar das marionetes de Kitano, ela já não hesita em segui-lo.
Pelbart segue perguntando: “Como tem ele a força de estar à altura de sua fraqueza, ao invés de permanecer na fraqueza de cultivar apenas a força?”. Esse corpo que encarna as novas subjetivações inventadas como poder da vida contra o poder sobre a vida encontra forças bem sob a superfície, deixando a fraqueza aflorar, tateando o real.
ensaio para a exposição individual FLUX,Capela do Morumbi, São Paulo, 2004